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Vozes tristes da morte

 

Lá se foi mais um amigo juntar-se ao coro do além.

O M. Emílio Porto morreu no seu posto de Maestro, quando ensaiava o Grupo Coral das Lajes do Pico que ele fundou, em 1983, para celebrar o centenário da Festa de Lurdes e da actividade baleeira.

O Grupo, no entanto continuou e continuará, certamente, pois os seus cantores e tocadores encontrarão uma alternativa para o infortúnio que, inesperadamente lhes bateu à porta.

Vem de longe o amor e dedicação de Emílio Porto à música, sobretudo à música coral que ele, nos últimos tempos, partilhava com os amigos no Facebook. As obras de arte e beleza que o Orfeão e a Capela do seminário tinham interpretado e outras peças clássicas, distribuia-as por aqueles que haviam sido “tocados” nos tempos da sua formação.

Emílio Porto tinha qualidades musicais inatas, de grau superior. No entanto, ao longo da vida foi aperfeiçoando a sua cultura e os seus conhecimentos técnicos, de tal modo que, do seu legado, fazem parte, não só arranjos polifónicos de temas do folclore musical açoriano, de melodias actuais de músicos regionais e também de canções populares portuguesas.

“Na memória das gentes” vai permanecer o seu arranjo coral da “Chamateia” (música de Luís Bettencourt, letra de A.Melo Sousa), a melodia “Montanha do meu destino” ( Emílio Porto/José Enes) e a peça de maior fôlego “Nossa Senhora-Ilha à roda” (Emílio Porto/José Carlos) poema épico-musical de cariz religioso que enaltece o povo picoense cuja cultura e vivências ele tão bem soube interpretar e projectar.

A história dos grupos corais açorianos tem as suas raízes no Seminário de Angra, com os Padres José d'Ávila e Edmundo M.Oliveira.

Emílio Porto, enquanto seminarista foi regente da capela. Como pároco, implementou esses grupos nas paróquias e instituições por onde passou. Compôs muitos melodias sacras em vernáculo, adequadas aos tempos litúrgicos tendo a preocupação de inovar no respeito pelas normas conciliares do Louvor a Deus, da afirmação da fé e do recolhimento interior. Esse era um princípio de que não abdicava e que lhe servia de critério para ajuizar do canto sacro que se canta nas celebrações religiosas.

Emílio Porto pode muito bem equiparar-se ao maestro e compositor Fernando Lopes Graça.

O seu enorme interesse em conhecer o genuíno folclore musical destas ilhas, levou-o a pesquisar temas do cancioneiro popularte relacionados com as actividades em terra, no mar e nos tempos de lazer que as gentes antigas celebravam com alegria e entusiasmo.

Ficaram célebres temas tradicionais das várias Ihas cujos arranjos para coros constituiram, durante 30 anos, temas dos reportórios do Grupo Coral das Lajes do Pico em muitas deslocações pelo Arquipélago, Continente e  estrangeiro. A qualidade musical desses temas, reunidos em “O Meu Cancioneiro”, (2001) passou também a constar das actuações de outros grupos açorianos e continentais a quem Emílio Porto cedia gratuitamente, tal o desejo que dedicava à promoção da  música açoriana.

A recolha de melodias  populares em honra do Divino Espírito Santo e daquadra natalícia constituem um espólio importante que o Maestro reuniu em CD´s e em programas realizados pela RTP-Açores.

Estou certo que no seu escritório existirão muitas composições suas, inéditas, que não deixarão de ser divulgadas e interpretadas.

Não se pense, porém, que E.Porto se dedicava apenas à música.

Da Igreja, de que era um fiel consciente e preocupado, criticava a mediocridade intelectual de algum clero, a falta de reflexão teológica e a aversão da cúria romana à renovação. Em março passado, escrevia no seu blogue “Alto dos Cedros”: Decorrem 50 anos do concílio Vaticano II, um concílio que tanto prometeu, mas que nunca foi além do vernáculo na missa. Alguém, de créditos firmados, diz que o Concílio é agora. Vou mais longe: é agora, sim, mas já devia ter sido. Muito tempo se perdeu atrás de vaidades e preconceitos sem pés nem cabeça. Os apelos a uma prática antiquada são cada vez mais pontos de desorientação e afastamentos. Parece que existem duas forças antagónicas. Uma que parte do Vaticano e que aponta sempre no sentido do seu passado interno. Outra que espera abertura a novas formas de estar dentro da Igreja.

A lucidez com que apreciava o rumo pastoral da Igreja, trouxe-lhe alguns engulhos e incompreensões mas nem por isso deixou de afirmar, de forma séria, as suas convicções.

M.Emílio Porto é uma personalidade cujo nome ficará para sempre na história da música e da cultura açoriana, ao lado de Francisco Lacerda e de Tomás Borba.

Se a arte se eterniza no tempo, a do Compositor e Maestro do Grupo Coral das Lajes do Pico será, para as gerações vindouras, uma valiosíssima herança patrimonial. Divulgá-la será a melhor homenagem que lhe farão os agentes culturais dos Açores e desta Ilha Montanha que o viu nascer e morrer.

PS: Quando terminei esta memória fúnebre fui confrontado com outra morte: a de outro picoense - Professor, Jornalista e Comendador - Fernando Melo. Acompanhou-me, durante vários anos, na produção de reportagens televisivas sobre as gentes destas ilhas. Nos arquivos da RTP-Açores há vários documentários, uma herança inestimável que merece ser revisitada. Para além da sua ação na imprensa faialense e terceirense e das funções educativas e sociais que desempenhou, o cidadão Fernando Melo prestou um contributo inestimável a estas ilhas.

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